quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Mamíferos Exóticos do Pampa Gaúcho e Uruguaio: Em questão o Javali (Sus scrofa)

 Nos costumes gaúchos o consumo da “carne vermelha” sempre foi muito apreciado. Por esse motivo e pelas características fisionômicas do pampa Sul Rio Grandense e Uruguaio, está entre as principais atividades econômicas dessa região a criação de pecuária de corte. Bovinos, ovinos, suínos e caprinos são as principais espécies criadas para fins cinegéticos (obtenção de carne), embora outras espécies também apresentem grande importância para essa finalidade.
        Outro aspecto cultural do povo gaúcho é o gosto pela caça. Seja por diversão, como esporte, ou pela própria obtenção da carne. Essa é uma pratica muito comum nas áreas rurais do pampa e que muitas vezes o costume atravessa gerações passando de pai para filho.
Com o intuito de fomentar essa atividade de forma lucrativa, alguns proprietários de terras, principalmente no Uruguai, resolveram criar Fazendas de Caça, um local destinado a criação de animais silvestres, com o interesse de atrair turistas que apreciam caçar.
Diversas espécies de mamíferos foram trazidas de várias partes do mundo e introduzidas nessas áreas para servirem como produto de caça.
Após alguns anos muitos animais fugiram dessas fazendas e começaram a viver livremente nas áreas naturais do pampa, reproduzindo e migrando para novas áreas, competindo com as espécies nativas e causando diversos prejuízos econômicos à agropecuária local.
O termo utilizado para representar uma espécie de animal que foi introduzido em um novo ambiente denomina-se de animal exótico, animal invasor ou também de animal alóctone. No pampa gaúcho e uruguaio são registrados atualmente oito espécies de mamíferos terrestres exóticos vivendo livremente em ambientes naturais.  Três destas espécies são de roedores que foram trazidos acidentalmente pelos colonizadores europeus, o rato das casas (Rattus rattus), a ratazana (Ratus novergicus) e o camundongo (Mus musculus). As outras espécies foram introduzidas por fins cinegéticos ou como troféu de caça, sendo elas, duas espécies de cervídeos, o cervo Axi (Axis axis) e o gamo (Dama dama), a lebre européia (Lepus europeus) e a cabra doméstica (Capra hircus) que é encontrada vivendo livremente em campo uruguaios. Porém nenhuma destas espécies merece tanta importância quanto o javali (Sus scrofa) que devido suas características ecológicas começou a causar diversos danos ambientais, competindo ferozmente com a fauna silvestre e degradando áreas naturais devido a seu comportamento. Outro grande problema causado pela espécie são os prejuízos a agricultura e pecuária. 

O Javali (Sus scrofa)

O javali (Sus scrofa) Linnaeus, 1758 (Artiodactyla: Suidae) possui segundo Groves (1981), revisor do gênero, 14 subespécies ao longo de sua ampla distribuição. A ocorrência original da espécie abrangia o norte da África, Europa (incluindo Inglaterra e Escandinávia, onde a espécie foi extinta), sul da Rússia, sul e meio leste da China, Índia, Sri Lanka e Indonésia.
Atualmente pela influência do homem, as formas selvagens e domésticas da espécie aumentaram sua distribuição original ocorrendo em todos os continentes, com exceção apenas dos pólos do planeta (Grubb, 1993).
Por motivo cinegético, os primeiros exemplares foram introduzidos na América do Sul na província de La Pampa na Argentina no início da década de 1904 e 1906. Logo, nos anos seguintes, registrou-se populações asselvajadas da espécie oriundas da fuga massiva de numerosos indivíduos. Em a espécie foi levada com fins cinegéticos para o território uruguaio no ano de 1928. Entretanto, o começo de sua expansão territorial neste país teve início a partir da década de 1960. Por diante, em 1982, a espécie foi considerada praga no Uruguai por causar danos de aproximadamente 2,5 milhões de dólares ao ano na ovinocultura, sendo que os prejuízos causados a agricultura ainda não foram quantificados.
Em relação ao Brasil, existe conhecimento da presença do javali por grande parte do território nacional, desde os estados do norte, estendendo-se pelo centro-oeste e sudeste, até a região sul (Tiepolo & Tomas, 2006). Provavelmente, a ocorrência da espécie no restante do Brasil não é resultado de dispersão natural, mas sim de ruralistas que consideraram a criação da espécie um bom negócio, constituindo vários criatórios clandestinos em um passado recente. Quando terminou o prazo para a legalização, produtores irregulares soltaram os animais na natureza (Scherezino Scherer- técnico do IBAMA, obs. pess.).
Embora o mesmo tenha sido verificado no território gaúcho, supostamente as populações de javali da metade sul do Rio Grande do Sul resultam de expansão a partir do Uruguai. 
Nesse setor do estado são encontrados vivendo simpatricamente dois morfotipos distintos: o javali selvagem (Sus scrofa) e o javaporco (Sus scrofa spp.), que é uma forma fértil do resultado de cruzamentos entre a linhagem selvagem e a doméstica.

Morfotipo do javali selvagem (Sus scrofa) flagrado vivendo em estado selvagem em  Pinheiro Machado/RS.

Características morfológicas do javaporco (Sus scrofa spp.) vivendo em estado feral no município de Pedras Altas/RS. Detalhe do filhote no ângulo inferior direito apresentando características morfológicas do javali selvagem

Características morfológicas do porco-doméstico (Sus scrofa domesticus).

A Problemática

O javali (Sus scrofa) atualmente é considerado pela IUCN como uma das 100 piores espécies exóticas invasoras do mundo, por causar diversos danos tantos econômicos quantos ambientais. 
Econômicos:
- danos em culturas agrícolas;
- ataques a animais de criação (cordeiros, aves e cães);
- transmissão de doenças para animais (febre aftosa, cisticercose, doenças dos cascos e da boca e raiva silvestre);
- o Sindicato Rural de Herval – RS estipula um prejuízo anual de R$ 4.320.000,00 causado pela espécie.
Ambientais:
- danos a campos nativos;
- dispersão de plantas daninhas;
- alteração de processos ecológicos;
- impactos na regeneração de espécies campestres e florestais;
- ataques a animais silvestres.
Os principais motivos do sucesso adaptativo do Javali (Sus scrofa) na América Latina se deu a partir de diversos fatores.
- ausência de predadores naturais;
- grande disponibilidade de alimentos encontrados nas culturas agrícolas e no ambiente natural;
- cruzamento com porcos domésticos e criação de híbridos;
- possuem um faro muito apurado e aprendem rapidamente a evitar o homem e suas armadilhas;
- elevada capacidade de adaptação a variados ambientes;
- taxa reprodutiva superior à maioria dos ungulados silvestres.

 Métodos utilizados para controle no mundo

A distribuição histórica da espécie integra a Europa, Ásia e norte da África, mas atualmente além da América do Sul outras localidades, como América do Norte, Nova Zelândia, Austrália e diversas ilhas oceânicas também apresentam formas asselvajadas da espécie.


Distribuição geográfica de formas selvagens (preto) e asselvajadas (cinza) pelo mundo. Segundo Groves (1981).


Em algumas regiões da Europa e Ásia onde a espécie vive naturalmente, o excesso de caça, a exploração agrícola e pecuária junto com a destruição das áreas naturais fez com que ela sofresse ameaça de extinção em diversas regiões.  Nas ilhas Britânicas (Clutton-Brock, 1996), Escandinávia (Welander, 1995) e partes do norte da África a espécie foi totalmente extinta.  Fato esse considerado negativo tratando-se de uma espécie nativa e considerada fonte de alimento para população e as caçadas é uma atividade cultural.
Porém em outras regiões da Europa (Norte da Itália, Sul da Espanha, Portugal, França entre outras) a espécie é também considerada problema, causando danos a áreas de agricultura e Unidades de Conservações, locais onde o javali fica restrito a viver.  
        No Hawaii Anderson & Stone (1993) estudam métodos de controle populacional de porcos ferais (Sus scrofa) introduzidos na ilha com fim cinegético desde 1978. O principal método utilizado foi a armadilha do tipo Live trap (captura de animais vivos). Embora muito empregado essa estratégia não é considerada uma ferramenta eficiente, pois necessita de um grande período de tempo para capturar os animais além do índice de captura ser muito baixo. Porém é o procedimento ideal para capturar os animais vivos.    
Os principais métodos utilizados para captura e controle populacional da espécie utilizados ao redor do mundo são:
- caça realizada com o auxílio de cães treinados;
- abate direto a partir de helicópteros;
- envenenamento utilizando o composto 1080 (fluoro-acetato de sódio);
- armadilhas para captura e cercas utilizadas em parques nacionais e áreas remotas.

No Rio Grande do Sul

No estado do Rio Grande do Sul o órgão público responsável pelo monitoramento e controle da espécie é o IBAMA. A instituição já publicou diversas portarias e normativas autorizando o abate da espécie. Para conhecimento:
Portaria Ibama no 7 de 26/01/1995:
Autoriza a caça amadorista do javali, por 3 meses e meio, em caráter experimental em algumas cidades do RS.
Portaria Ibama no 138 de 14/10/2002:
Autoriza a captura e o abate do javali por um ano em municípios do RS. 
Instrução Normativa Ibama no 25 de 31/03/2004:
Autoriza o controle do javali, por meio da captura e do abate, pelo período de 1 ano, em municípios do RS.
Instrução Normativa Ibama no 71 de 04/08/2005:
Autoriza o manejo do javali para o controle populacional em todo o Estado do Rio Grande do Sul, por tempo indeterminado.
O IBAMA já realizou estudos preliminares avaliando a distribuição, os danos causados e métodos de controle utilizados na em Herval - RS (Flores & Scherer, 1994) e coletas de dados sobre danos causados por javalis na região de Herval (Menezes & Scherer, 1997)
No Estado o método mais utilizado pelos caçadores credenciados pelo IBAMA é de caça com arma de fogo realizada com o auxílio de cães treinados. Também são usadas armadilhas tipo gaiolas e laçadas com cabo de aço.
Como descrito em outros estudos esses métodos não vem apresentando grande eficácia, pois é a decréscimo populacional da espécie não vem sendo constatado pela população rural, autoridades e pesquisadores (Ka’aguy, 2008; 2009).

Métodos de controle populacional utilizados no Rio Grande do Sul. Caçada com cães e captura com gaiolas.

Considerações Finais

Informações disponíveis sobre as áreas de ocorrência da espécie, o status populacional e os aspectos bioecológicos no Rio Grande do Sul são incipientes. No entanto, são imprescindíveis para elaboração de diretrizes de manejo sobre a espécie.
Dentro dos princípios básicos da Biologia da Conservação a ferramenta básica para preservação e conservação das espécies silvestres, é o próprio conhecimento sobre as mesmas (Cullen et al., 2003). Neste mesmo sentido, o estudo e o conhecimento básico tem se mostrado como uma ferramenta imprescindível ao planejamento de estratégias de manejo e controle também das espécies invasoras e / ou exóticas por todas as regiões do planeta.
Embora diversas técnicas de controle populacional sejam apresentadas e testadas em diversas localidades que sofrem com a invasão da espécie, nenhuma se mostrou totalmente eficaz, demonstrando a que essa batalha para eliminação de espécies exóticas nos ambientes naturais está apenas começando.

Texto e fotos: Felipe Garcias